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sábado, 7 de setembro de 2013

O PUGILISMO E O PODER DA MÍDIA

Apesar de falar de pugilismo, o assunto que me move nesta crônica busca tratar do fantástico poder da mídia. Um poder fabuloso que  consegue transformar a realidade de forma radical e, é claro, esta transformação se faz com o fito de ganhos pecuniários.
O capitalismo tem uma tendência de saltar de patamares e aumentar exponencialmente a sua concentração. Neste sentido, podemos observar, por exemplo, que os valores nos negócios esportivos cresceram geometricamente, mesmo não se comparando com o crescimento dos salários dos trabalhadores em geral. O fato é que Pelé, que é considerado um dos maiores atletas de todos os tempos, em toda a sua (longa) carreira obteve ganhos salarias bem menores do que o atual lateral direito (ou esquerdo) do Flamengo que, por desimportante, não lembro o nome.  É fato que uma grande estrela hoje em dia (Messi, por exemplo) ganha em um mês o que Garrincha não conseguiu ao longo de toda a sua carreira brilhante. No boxe profissional, Muhammad Ali (Cassius Marcellos Clay Jr.), o mais completo pugilista de todos os tempos, recebeu em torno de 9 milhões de dólares por todas as suas lutas.
Hoje em dia, o boxe mundial tem três grandes expoentes, que são os irmãos Klitschko (ucranianos) e o Floyd Mayweather (norte-americano). Estranhamente, as representações apresentadas pela mídia em geral são manipuladas a um extremo absurdo e, o que mais causa perplexidade, é que tal simulacro distorcido da realidade ganha foros de verdade junto ao público.
No momento, a realidade criada pela mídia, que prevalece nas mentes do grande público, diz que o Mayweatrher é um gênio e os irmãos Klitschko são entediantes, dois bundões enroladores. Ocorre que tal disposição não encontra a mínima conexão com o que realmente existe para quem tem ouvidos para escutar e olhos para ver.
A categoria dos pesos pesados sempre foi a que mais despertou o interesse dos aficionados e, consequentemente, sempre remunerou acima das outras categorias. Os Estados Unidos mantiveram uma hegemonia histórica nesta categoria, sendo que quase todos os campeões foram norte-americanos. A partir da década de 1990 esta hegemonia foi pulverizada. Os campeões de todos os pesos passaram a ser (majoritariamente) oriundos dos países anteriormente agregados à União Soviética. Neste contexto surgiram Vitali e Wladimir Klitschko, que conquistaram os cinturões em diferentes entidades que regulam a nobre arte. Observe-se que só o fato de serem irmãos e concomitantemente, pela primeira vez na história, campeões mundiais, já seria matéria para a mídia se esbaldar nas consumações de idolatrias. Muito além desse parentesco, o que ocorre dentro dos ringues é que ambos os irmãos registram em seus cartéis feitos muito acima da média. Especialmente o irmão mais velho, Vitali, sob o aspecto estatístico, pode ser considerado o maior lutador entre os campeões dos pesos pesados de toda a história. Entre os campeões pesos pesados, ele é o detentor do maior índice percentual de nocautes de todos os tempos. Perdeu apenas em duas oportunidades; em ambas, as lutas foram encerradas por lesões. Na primeira estava vencendo largamente a disputa quando distendeu o músculo do braço e na segunda, estava realizando uma luta parelha contra o campeão Lennox Lewis, quando teve o supercílio aberto e a luta foi encerrada. Vitali Klitscko nunca sofreu sequer uma queda no percurso de todas as suas lutas, ao contrário do lendário Rocky Marciano que, apesar de se aposentar invicto, sofreu diversas quedas ao longo da carreira.
Para coroar o sonho midiático (de material espetaculoso para manipulação), Vitali tem doutorado, é senador (líder da oposição) e candidato (com chances reais) à presidência da Ucrânia. Apesar de tantos predicados (reais e simbólicos), os irmãos sempre aparecem na mídia de forma negativa.
Do outro lado dessa manipulação grosseira, vamos encontrar o Floyd Mayweather, apelidado de “Mister Money”. A meu ver, trata-se de um lutador mediano, especialista em defesa. É daquele tipo que entra numa luta muito mais preocupado em não se machucar do que causar danos ao adversário. Apesar de se manter invicto, o seu cartel registra uma pobreza de nocautes (para quem é considerado a oitava maravilha do mundo). Rotineiramente, no transcorrer dos seus combates, o que vemos é um lutador que passa a maior parte do tempo recuando e raramente avança de encontro aos adversários. Este tipo de postura não é a mais indicada para transformar um lutador em ídolo. Sabemos que a fórmula mágica reside (na lógica do próprio espetáculo) em postura agressiva e contundente. O maior exemplo da manipulação no boxe foi em torno da figura de Mike Tyson (um lutador mediano). No processo de entronização de Tyson como ídolo e mito, foram largamente usados os apelos à sua selvageria, à sua impetuosidade e ao seu poder de destruição (dos oponentes). O mesmo se dá com o Wanderlei Silva, no vale-tudo, que é cognominado de “cachorro louco”. Convenhamos que o atual quindim da mídia não é portador dessas qualidades e apenas se limita (espertamente) a utilizar a sua excelente técnica de fugir dos lances mais contundentes que ocorrem numa luta.
Proximamente o Mayweather travará um combate e a divulgação do evento se baseia quase que unicamente no fato de que ele já ganhou mais de meio bilhão de dólares em sua carreira e que receberá por esta luta (ganhando ou perdendo) uma bolsa de 97,9 milhões de dólares. A lógica tacanha da propaganda é que ao ganhar tanto dinheiro, deve ser fenomenal. A lógica da vida real nos informa que quem vai assistir a este tipo de espetáculo, não vai para ver dólares saracoteando, mas dois caras trocando sopapos. As lutas consideradas as melhores (do ano, da década, de todos os tempos) pautam pela extrema violência com que se desenvolveram e nenhuma, assim classificada, poderia ter o Mayweather como protagonista.
Após as considerações acima, fico estupefato ao tentar dimensionar o poder da mídia que, através de alquimia barata, consegue transformar areia em ouro e realidade em abóbora. Perplexo vejo que esta suspensão da realidade funciona e o público em geral acredita, mesmo quando tem os motivos óbvios de que está embarcando no delírio de quem urdiu a farsa.

3 comentários:

  1. É claro que o texto fala sobre o poder da mídia em transformar terra em ouro, pelo menos é o que eu entendi, mas vou focar o meu comentário no pugilismo, que não perco um segundo do meu precioso tempo para assistir. Detesto. É como se na imaginação estivesse nas arenas da Roma Antiga! Mas se dá audiência... a ponto de pagar salários maiores que a dos inesquecíveis herois do futebol: Garrincha e Pelé, vai se fazer o quê?

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  2. Bom dia, Maria.
    Penso exatamente como você.
    A impressão que tenho ao ver aqueles "lutadores" é de termos retroagido para os tempos Romanos, ou pior, pois que, na época, gladiadores lutavam pela vida e hoje lutam pelo status e pelo dinheiro. Acho um desperdício de tempo e energia assistir mas... tem gente que gosta ( e como tem).
    Bjs e obrigada pelo comentário.
    Lúcia

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  3. Oi Lucia,
    Bom,
    Primeiro desejo registrar que nunca, nunquinha senti admiração nem pelo Pelé, e muito menos pelo Edson Arantes. Pelé é fruto da fabrica de massa de manobra da ditadura militar em parceria com a Rede Globo, pelo seu alinhamento ideológico. Tivemos outros atletas fantásticos que mal são lembrados.
    Como homem, depois do que ele fez com a filha... Sem comentários.
    Como cidadão, os seus últimos pronunciamentos em relação à Copa do Mundo, Estádios, Fifa e corrupção, um horror.
    Mas, vamos ao texto: Não gosto e não entendo nada do “esporte”. Agora, a abordagem me parece perfeita e real.
    Vale a pena espalhar.
    Beijão.

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