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domingo, 1 de setembro de 2013

AS CIÊNCIAS JURÍDICAS, O JUIZ E A ATRIZ



Nos meios de comunicação de massa, o pessoal de propaganda e marketing costuma seguir uma estratégia enviesada para vender o seu peixe (normalmente podre), induzindo o público a comprar gato por lebre. Para tanto, não se valem de mentiras deslavadas, mas de induções ao erro, imprimindo importância a bobagens ou a ações fora de contexto. Até esse ponto, o que temos são os marqueteiros desenvolvendo suas técnicas de convencimento, mesmo sabendo que aquela atriz famosa jamais usou ou usará uma sandália rastaquera...

Tornou-se comum a mídia ribombar determinadas (com interesses determinados) bobagens sobre pessoas famosas não menos tolas. Testemunhamos diuturnamente o desfilar de bobagens e futilidades que são veiculadas pela mídia proferidas ou feitas por celebridades vazias. O cardápio é variado e inesgotável e fico imaginando qual o interesse jornalístico ou social ficarmos sabendo que a atriz pornô gosta de usar calcinhas enfiadas, ou que a atriz da novela em voga desceu com a filhinha para brincar no play, ou mesmo que aqueloutra atriz brinca com a filhinha de princesa. Ora, estas coisas são corriqueiras e jamais atingem o status de notícia, mas servem para colocar determinadas pessoas em evidência. São as tais notícias que não são notícias.

O problema começa a ganhar contornos de seriedade na medida em que a sociedade é engrupida por estas técnicas e passa a reproduzir tais engodos como verdadeiros. Nesse itinerário de espertezas e logros, revistas especializadas em cevar celebridades vazias fazem um exercício de prestidigitação no qual transformam e corrompem a lógica dos valores óbvios. Por exemplo: o professor Mauro Mazorcchi é um cientista respeitado no meio científico e totalmente desconhecido pela mídia espetaculosa. Dedicou mais de 40 anos ao estudo da leishmaniose. Enfim, mais de quatro décadas de estudos e pesquisas sobre determinada doença. O seu ofício de pesquisar não implica em nada mágico e o seu entendimento requer conhecimentos específicos, não ao alcance da maioria das pessoas. A bagunça começa no momento em que uma televisão resolve incorporar a leishmaniose em alguns capítulos da novela da vez. Rapidamente o nome esquisito se populariza e temos a atriz famosa, com vinte anos e que nem terminou o ensino fundamental, conceder entrevistas, nas quais fala sobre leishmaniose. Caramba! Instauramos a meritocracia pelo avesso, uma vez que o público em geral não está interessado em doenças, mas em quem a famosa anda pegando. Até aí, apesar de absurdo, tudo bem, são as regras de mercado. Pior que isso seria o meio científico e o próprio Mauro Mazorcchi tomar a sério alguma opinião da atriz-celebridade e incorporar às suas pesquisas as bobagens de senso comum que a moça despejou nas entrevistas. Caso isso acontecesse, estaríamos potencializando e legitimando cientificamente um estatuto de bobajadas.

Dificilmente tal possibilidade aconteceria, não fosse... a existência de uma ciência chamada de Direito.

Stanislaw Ponte Preta, o saudoso e arguto jornalista Sérgio Porto, escreveu dois volumes do FEBAPA – Festival de Besteiras que Assolam o País, que nada mais era do que nos descerrar as incontáveis sandices cometidas pelos donos da pátria. Claro que a morte do articulista não teve o poder de por um fim às besteiras que por aqui pululam. Acredito que se vivo fosse, o Stanislaw estaria escrevendo o volume 340 ou 2015, quem sabe?

Pois, então? Dessa feita, a bola da vez é o Exmo. Dr. Juiz de Porto Alegre, Alex Gonzalo Custodio, que resolveu citar uma atriz em sentença e causou polêmica. O advogado Thiago Machado apontou "carência técnica" e o Meritíssimo se defendeu afirmando que a citação é "apenas um elemento dentro de um contexto". Tudo bem, não obstante sabermos que juiz faz como quer, o senão que perdura é onde se encaixam a atriz Paolla Oliveira e a sua brilhante citação? Pois é, a moça afirmou para a revista Marie Claire (que não é especializada em direito, mas em futilidades sortidas) que "Direitos Humanos é para quem sabe o que isso significa. Não para quem comete atrocidades inconsequentes". Com isso acredito que o Meritíssimo demonstrou uma dupla carência técnica. A primeira é que esta frase não é da autoria da atriz Paolla Oliveira, mas sim apenas reproduz um pensamento do senso comum de que a lengalenga de direitos humanos para criminosos não são bem-vindos. Este tipo de pensamento (e frases similares) pode ser encontrado em milhares de veículos de difusão e é bem antigo. Ora, a entrevista citada pelo Juiz é de 2011 e podemos encontrar facilmente este tipo de frase numa época em que a moça ainda nem tinha nascido. Isso posto, fica muito estranha a escolha da autoria da frase para compor (um elemento) uma sentença. O outro aspecto da duplicidade da carência técnica do magistrado reside naquilo que arrazoamos no início dessa arenga: com tantos estudiosos do direito, um juiz lança mão de um argumento proferido por uma atriz que se formou em Fisioterapia (do Direito?). Será mesmo que nenhuma pessoa no país ou no mundo não se dedicou profundamente ao estudo dos Direitos Humanos e se faz necessário lançar mão de frases de senso comum para sustentar uma sentença?

Fico imaginando, se a moda pega, termos as sentenças dos nossos tribunais recheadas de frases de celebridades (estabelecendo jurisprudência), principalmente aquelas (realmente) da lavra do Genival Lacerda, do Ronaldinho, do Feliciano ou da Valesca Popozuda.

Marcelo Cavalcante

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