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sexta-feira, 14 de junho de 2013

Navio negreiro - Castro Alves. - (parte)

Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus!
Se é loucura... se é verdade
Tanto horror perante os céus?!
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
De teu manto este borrão?...
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! 
Quem são estes desgraçados
Que não encontram em vós
Mais que o rir calmo da turba
Que excita a fúria do algoz?
Quem são?   Se a estrela se cala,
Se a vaga à pressa resvala
Como um cúmplice fugaz,
Perante a noite confusa...
Dize-o tu, severa Musa,
Musa libérrima, audaz!... 
São os filhos do deserto,
Onde a terra esposa a luz.
Onde vive em campo aberto
A tribo dos homens nus...
São os guerreiros ousados
Que com os tigres mosqueados
Combatem na solidão.
Ontem simples, fortes, bravos.
Hoje míseros escravos,
Sem luz, sem ar, sem razão. . . 
São mulheres desgraçadas,
Como Agar o foi também.
Que sedentas, alquebradas,
De longe... bem longe vêm...
Trazendo com tíbios passos,
Filhos e algemas nos braços,
N'alma — lágrimas e fel...
Como Agar sofrendo tanto,
Que nem o leite de pranto
Têm que dar para Ismael. 
Lá nas areias infindas,
Das palmeiras no país,
Nasceram crianças lindas,
Viveram moças gentis...
Passa um dia a caravana,
Quando a virgem na cabana
Cisma da noite nos véus ...
... Adeus, ó choça do monte,
... Adeus, palmeiras da fonte!...
... Adeus, amores... adeus!... 
Depois, o areal extenso...
Depois, o oceano de pó.
Depois no horizonte imenso
Desertos... desertos só...
E a fome, o cansaço, a sede...
Ai! quanto infeliz que cede,
E cai p'ra não mais s'erguer!...
Vaga um lugar na cadeia,
Mas o chacal sobre a areia
Acha um corpo que roer. 
Ontem a Serra Leoa,
A guerra, a caça ao leão,
O sono dormido à toa
Sob as tendas d'amplidão!
Hoje... o porão negro, fundo,
Infecto, apertado, imundo,
Tendo a peste por jaguar...
E o sono sempre cortado
Pelo arranco de um finado,
E o baque de um corpo ao mar... 
Ontem plena liberdade,
A vontade por poder...
Hoje... cúm'lo de maldade,
Nem são livres p'ra morrer. .
Prende-os a mesma corrente
— Férrea, lúgubre serpente —
Nas roscas da escravidão.
E assim zombando da morte,
Dança a lúgubre coorte
Ao som do açoute... Irrisão!... 
Senhor Deus dos desgraçados!
Dizei-me vós, Senhor Deus,
Se eu deliro... ou se é verdade
Tanto horror perante os céus?!...
Ó mar, por que não apagas
Co'a esponja de tuas vagas
Do teu manto este borrão?
Astros! noites! tempestades!
Rolai das imensidades!
Varrei os mares, tufão! ...

Castro Alves

quinta-feira, 13 de junho de 2013

AFRODISIACO-Marcelo Cavalcante Marcelo Maia César Ceará

In. CD Cantigários


AI QUEM ME DERA TER UMA BOA VIDA ASSIM
VER A SUA CARA, CARA RARA, EM MIM
ESTAMPADA EM CARAS
QUE É CARA, É CARA, SIM
SER TURISTA EM SONHO
QUE PARECE NÃO TER FIM
TODO COR-DE-ROSA
LICOR DE JASMIM
COISA PODEROSA
LUA DE MARFIM
AH! SONHOS DE ROSAS
IATES, PUTAS ASSIM
SONHOS DE ROSAS
IATES, PUTAS ASSIM AFIM ASSIM

E AÍ
NESSAS COISAS / MARAVILHOSAS
CURTIR
FAZER POSE TODO PROSA
VESTIR
TEMPO DE MODA, / RODAR AS RODAS,
CARAS E BOCAS / COISAS OCAS
FAST-FOODS, FESTAS,
FODAS LOUCAS
COMO QUEM USA
OU SE LAMBUZA
COMO QUEM GOZA SEM GOZAR

AH! SONHOS DE ROSAS
IATES, PUTAS ASSIM-AFIM
SONHOS DE ROSAS
IATES, PUTAS ASSIM

AI QUEM ME DERA TER UMA PUTA VIDA ASSIM

IDIOMAS(Marcelo Cavalcante & Clarisse Maia & Mano Ferreira)

In. CD Cantigários

IDIOMAS

(Marcelo Cavalcante & Clarisse Maia & Mano Ferreira)

qual a língua que falamos / na falência do idioma? / nessa zona de inverdades / qual a boca que falamos? / qual a voz que acreditamos / que fala o que sonhamos? / qual diploma de liberdade / e em que boca acreditamos? / falar a fala dos dialetos, / comer galeto em Veneza, / farinha em guatemalteco, / tirar o til do alfabeto. / e mentimos nossos mundos / cada frase do poema / javanês, telugu mudo / nos versos da sapopemba / qual a boca e qual ânus? / uma pitada de gaélico / para porres e estragos / de um olhar carcamano / ser espoleta em Cartago / tragar papoulas em Chiloé / vender louras em Bombaim / aleijado em Nova Guiné / tirar a roupa em Camocim / em que medo nos fartamos? / qual a voz que acreditamos / que fala o que sonhamos? / qual diploma de liberdade / em que boca acreditamos? / qual a boca que sonhamos / que sonha o que falamos? / qual idioma de liberdade / em que medo nos fartamos? / qual verdade que falamos?


quarta-feira, 12 de junho de 2013

NOSTALGIAS Marcelo Cavalcante/ Cassiana Maia /Paulo Maia

In. CD Maias e Cavalcantes



na minha rua vadia
já não passam mais
as festas sadias,
os ventos outonais,
as loucas serestas,
os velhos carnavais,
as lindas moças
sonhando enxovais.

na minha rua vadia
já não passam mais
a inocente alegria,
as modas semanais,
as matronas sisudas,
os ritmos estivais,
o balanço das coxas
e os sisos patriarcais.

na minha rua vadia
ficaram pra trás
tardes angelicais.
era a pureza do olhar
e os gestos contidos demais.
brota nessa nostalgia
a imagem de um tempo a cristalizar
rua vadia já sem vadiar.

é de pesar o passado,
entender suas sombras em vitrais.
mas não demonstra seus ais
nem os seus escarcéus, vendavais.
e o olhar do menino
na rua e na linha de pipa a enredar
rua vadia já sem vadiar.

Elton john - You gotta love someone-Homenagem a alguém especial

terça-feira, 11 de junho de 2013

RIBANCEIRA

In. CD Maias e Cavalcantes

Ribanceira

Marcelo Cavalcante / Clarisse Maia / Paulo Maia

moça na janela! / a cunhã tão bela!
chuva na cancela! / isso é coisa pra cantar?
fogo na panela! / jogo de pinguela!
moleque magrela! / abusão pra me assustar.

porque bate magoado / o meu tolo coração
dolorido, debruçado / sobre a velha equação
´sei se bate, ´sei se apanha / ou se ganha explicação
de que a vida é o encarnado / ou o calo seco em minha mão.

vai, me diga violeiro / da tristeza de cantar
tanta dor, tanto tropeço / adereço pra enfeitar
girar mundo implica um preço / tanto terço pra rezar
é ver a vida sem olhar.
quem brinca com fogueira / pode se queimar
quem desce a ladeira/ perde o lugar
quem anda de bobeira / fica a esperar
quem fala tanta besteira / é bobo e bobo será
pois quem sabe a tabuada / não esquece a canção
pontilhada de estradas / rumo à mesma solidão
firmamento, namoradas / alimentos pro refrão
dor cortante abusada / ou enganos da ilusão
e me diga companheira / pra que serve o meu cantar
se não salva alma penada / do eterno madrugar?
e aí que me reconheço / feito louco a variar,
é ver a vida sem sonhar.
quem topa brincadeira / pode se molhar
tombo na ribanceira pode à morte levar.
moça na janela! / cunhã-cunhã tão bela!
chuva na cancela! / isso é coisa pra cantar?
quem topa a brinacdeira / pode se molhar
tombo, ribanceira, podem a morte levar.
moça na janela! / a cunhã tão bela!
chuva na cancela! / que coisa é essa pra cantar?