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sábado, 4 de maio de 2013
"NÃO TENHO TEMPO" - Autor - Neimar de Barros
"Sabe meu filho,Até hoje não tive tempo para brincar com você.
Arranjei tempo prá tudo, menos para ver você crescer.
Nunca joguei dominó,dama,xadrezou batalha naval com você.
Percebo que você me rodeia, mas sabe, sou muito importante e não tenho tempo...Sou importante para números, convite - sociais, uma serie de compromissos inadiáveis...E largar tudo isso para sentar no chão com você...Não, não tenho tempo.
Um dia você veio com o caderno da escola pro meu lado,não liguei, continuei lendo o jornal afinal, os problemas internacionais são mais sérios que os da minha casa.
Nunca vi o seu boletim nem sei quem é a sua professora, não sei nem qual foi a sua primeira palavra, também, você entende... não tenho tempo...de que adianta saber as mínimas coisas de você se eu tenho outras grandes coisas a saber?
Puxa, como você cresceu!você já passou da minha cintura. Está alto! eu não havia reparado isso aliás, não reparo quase nada, minha vida é corrida, e quando tenho tempo, prefiro usá-lo lá fora e se uso aqui, perco-me calado diante da TV, porque a TV é importante e me informa muito...Sabe, meu filho...A última vez que tive tempo para você, foi numa cama, quando o fizemos! Sei que vecê se queixa, que você sente falta de uma palavra, de uma pergunta minha, de um corre-corre, de um chute na sua bola mas eu não tenho tempo...Sei que você sente falta do abraço e do riso de andar a pé até a padaria para comprar guaraná, de andar a pé até o jornaleiro para comprar "Pato Donald", mas sabe, há quanto tempo que não ando a pé na rua? Não tenho tempo...Mas você entende, sou um homem importante, tenho que dar atenção a muita gente,dependo delas...
Filho, você não entende de comércio...!na realidade, sou um homem sem tempo!sei que você fica chateado, porque as poucas vezes que falamos é monólogo, só eu falo, e noventa e nove per cento é bronca: Quero silêncio, quero sossego! e você tem a péssima mania de vir correndo sobre a gente,você tem mania de querer pular nos braços dos outros...filho, não tenho tempo para
abraçá-lo,não tenho tempo para ficar com papo-furado com criança. Filho,O que você entende de computador, comunicação, cibernética, racionalismo? você sabe quem é Marcuse, Mac Luan?
Como é que vou parar para conversar com você? Sabe filho, Não tenho tempo, mas o pior de tudo,o pior de tudo é que...Se você morresse agora, já, neste instante, eu ficaria, com um peso na consciência porque ate hoje não arrumei tempo prá brincar com você,E na outra vida, por certo, Deus não TERÁ TEMPO de me deixar, pelo menos, vê-lo!"
quinta-feira, 2 de maio de 2013
terça-feira, 30 de abril de 2013
Terrosos, in Saga dos Perplexos 3 – Ao pé do fogo
Tem dias, na seca mais ferroante, em que a
claridade é tanta que o alumiado rasante faz um alumbramento. Pavor na
claridão. Visagens do não existido. São tempos dificultosos em que a fome e a
sede instigam a dor que se reveste de sofrimento e desemboca crua em
desesperos. Dói, siô, de vê o que os ói num devia de zoiá. Ahhh! Alembrançar as
beiras de estradas desenfeitadas com os mortos retirantes, para sempre
arretirantados da vida. Corpinhos de crianças que mais dão parecê de
esqueletos... Quem vê isso, vê o inferno em vida, na terra, com juízo final
envindo por de antecipado.
Ééééé! Avigie, siô moço... Seca e
miséria, por estas bandas... A sofrência arretada não é coisa de ouvir falar.
No contado, mormente agora faço, por demais se perde de aflição. O sofrê se
acoita por detrás do palavrado. O agoniamento de quem, sem arrimo no mundo,
topô cum isso é coisa por demais adistanciada do proseado... Só vivendo nela é
que se pode entendê o supetão de vida se esbaforindo num bafo de morte. Só
vendo, dia empós dia, o verde se esmirrando e o terroso se adonando de tudo. É
espichá o oiá triste de desamarguras em riba do pé de pau esgarranchado e
´maginá que em antes era verde e impava ao vento do Aracati. A ressequidão da
terra se trespassa para o dentro dos viventes de meu Deus e é ao Deus dará que
rumorejam suas rezas enquanto esperam a morte em agonia lenta. É repuxo de
endoidecê. Na seca, a terra se abre em chamas dentro do coração do vivente, do
retirante que sai bolando por estes descaminhos, sem rumo ou prumo... Um magote
de povo endoidecido, botando os ói em riba das desgraças suas e alheias. É
muito de oiá por inteiro. Cabra que teve sustança, estatelado, sem mais força
no corpo, tendo que vê os filhinhos se finando, sem um bocado, mesmo de terra,
pra socá na boca. Famílias inteiras se estropiando, morrendo como mosca em...
Hã! Ahum! Aquela foi a pió de todas... Mais da metade do povo morreu nela. Ah!
Hum! As histór´as... Sei mais de cento delas... Não... não... Eu era muito
menino... Era destaludado e nem sei a cuma s´escapei. Meu pai contô e arrecontô
os casoados... Pai, Quelé... de Índio ´pelidado. Hã! Tinha parecença cum índio.
Era, talqualzin. Aquilo, a seca, boliu com os nervos lá dele... Vevia proseando
sobre aquela seca, a cumo que nóis quase se lasca. A cumo o siô-padrim Pedro
Isgorogota adjutorô nóis... A cumo ele deu de aparecê e leva nóis tudo pra casa
grande e lá arrebatá nóis das tramas da morte. Ele, o Pedro? É dúvida? Era um
homem santo... sem em nunca dizê uma reza, pois que rezava nos entranhados lá
dele. Tinha coração mais maió que todo este sertão de lonjuras e perdimentos.
Era... Era cumo que um pai poderoso, que era homem de valô. Foi... Antão? Era
cheio de bondades, mas tamém quando s´espritava nos couros fazia o mundo
tremer. Ave Maria, enfrentá ele em tempo de raivas! A seca... Apois... Tem
dias, na seca mais ferroante, em que a claridade é tanta que o alumiado rasante
faz um alumbramento. Pavor na claridão. Visagens do não existido. São tempos
dificultosos em que a fome e a sede desaumenta a dor que se reveste de
sofrimento e desemboca crua em desesperos. Dói, siô, de vê o que os ói num
devia de zoiá. Ahhh! Alembrançar as beiras de estradas desenfeitadas com os
mortos retirantes, para sempre arretirantados da vida. Corpinhos de crianças
que mais dão parecê de esqueletos... Anjinhos espaventosos, que são... Quem vê
isso, vê o inferno em vida, na terra, com juízo final envindo por de
antecipado. Isso amolenga as esperança, mas retempera a dureza dos que
escapolem da morte. E nesse frege desgunvernado, tem inda magote de enricados
que mais enricam com o tanto sofrê do povo. Ele? Walmir Luma? O Cagarrala da
peste! Num valia uma bufa fedorenta! Socô dinheirama no pandulho como se estripulia
fosse. Era... Envinha do gunverno, pra mode desagoniá tanto sofrê, mas o peste
num tinha coração. Se empanzinô de tanta roubalheira, enricô... Cabra safado,
que cabô os restos da vida se morrendo pelas metade. Aos pedaços foi se
consumindo, corroído pela grangrena galopeira. Mas sempre tem a bando outra,
que o sinhô Deus sempre dá de apunhá contrapeso. Além do padrim Pedro,
outros... Ora! Nhá Luzia Alcoforado, mulé de valô e coração leve. Tanto se
esbateu pelos pobreem miserê que cabo desfazendo casamento certo... Arrepartiu
de cumê e acomodô ror de povo em suas... Esbandaiô fortuna... O diabo, o pió de
tudo e não podê s´esquecê daquilo tudo. Dar parte de sonhá acordado com a
animalha estrebuchando e os urubus já em riba, espichando as tripas... Mesmo com
gente, deu de acontecê. Deus Nos´sinhô sabe o que faz, mas desconfio, arrenego.
Ééééé! Avigie, siô moço... Por conta de tanto é que não tem escapulo e este
sertãozão é por um todo assombrado. Tem alma por demais esgorgitando sem rumo,
pru mode que viveram o inferno em vida. Isso não está nas lei divina... Em eu?
Sô. Des menino que sô temente a Deus... Por causi que... Quando a dô é
desprecisada e altercada em desmasia, o vivente ´caba descrente D´ele... Parece
que os viventes perdem o faro pro vivê. Perdem o riso, mas em antes os dentes.
Gastura retada... O que fica é a gastura das alpercatas rompendo a poeira pela
vida sem fim.
Escritor - Marcelo Cavalcante/ Livros
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